A Advocacia-Geral da União mudou de entendimento e agora defende a execução da pena após condenação em segunda instância. A medida, segundo o órgão, compatibiliza o princípio constitucional da presunção da inocência com os direitos fundamentais das vítimas de condutas criminosas. Isso é o que a AGU argumenta em manifestação encaminhada nesta terça-feira (19/3) ao Supremo Tribunal Federal para defender a medida.
Em 2017, a Advocacia-Geral da União se posicionou contra a execução antecipada de pena em parecer enviado ao STF. No documento, a então advogada-geral da União, Grace Mendonça, defendeu que a prisão só deve acontecer após o trânsito em julgado e sustentou que a Constituição Federal não dá margem para outra interpretação.
Porém, com a mudança de governo, a AGU passou a apoiar a execução da pena após condenação em segunda instância. A medida foi defendida pelo presidente Jair Bolsonaro (PSL) durante a campanha eleitoral e consta do projeto de lei anticrime do ministro da Justiça e Segurança Pública, Sergio Moro.
Assinada pelo advogado-geral da União, a manifestação foi apresentada na Ação Direta de Inconstitucionalidade 5.976. A ação foi movida pela Confederação dos Trabalhadores no Serviço Público Municipal (Confetam) para questionar a constitucionalidade da Súmula 122 do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (PR, SC e RS). Observando a nova jurisprudência do STF sobre o assunto, a norma define que “encerrada a jurisdição criminal de segundo grau, deve ter início a execução da pena imposta ao réu, independentemente da eventual interposição de recurso especial ou extraordinário”.
No documento, a AGU lembra que, em oportunidades anteriores, chegou a defender a procedência de ações que pediam para o STF declarar a constitucionalidade de dispositivos que impediriam a prisão antes do trânsito em julgado de ações penais, mas pondera que o próprio STF modificou o entendimento “hipergarantista” sobre o alcance do princípio da presunção para adotar uma interpretação mais unitária da Constituição que também leve em consideração fatores como coesão social, os direitos fundamentais das vítimas e o próprio ideal de Justiça.
“Quando a garantia da presunção de inocência é estendida para impedir qualquer prisão não cautelar antes da conclusão dos processos nas instâncias extraordinárias, o que se percebe é uma grave afetação dos direitos fundamentais das vítimas das condutas criminosas”, aponta a AGU.
“São dramas de uma sociedade desamparada da tutela estatal mínima. Revelam não um verdadeiro Estado de Direito, mas um Estado incapaz de assegurar condições de paz, segurança e convivência sadias. Revelam uma persecução penal impotente, que reserva àqueles que podem pagar pelas melhores defesas um processo convenientemente lento, ineficaz e leniente, cujo termo prescricional torna-se facilmente manipulável”.
Aplicação da justiça
A AGU também observa que não há como considerar arbitrárias prisões efetuadas após julgamento em duplo grau de jurisdição. Isso porque, com essas duas fases, provas são analisadas de forma exaustiva e minuciosa; o direito de defesa e de refutação das acusações é amplamente respeitado; e a possibilidade de interposição de recursos e de pedido de habeas corpus continua existindo. Na realidade, argumenta a AGU, a prisão nestas condições “se trata da efetiva garantia e aplicação da justiça como maior valor constitucional no contexto do Estado Democrático de Direito, na perspectiva da inibição da proteção deficiente”.
De acordo com a entidade, arbitrária seria “a eternização de um sistema incapaz de garantir alguma efetividade a ato condenatório já avalizado por múltiplas autoridades judiciárias, independentemente das singularidades do caso concreto e ainda quando o crime imputado tenha ofendido relevante bem jurídico ou gerado abalo social gravíssimo”.
Neste sentido, defende a AGU, a prisão a partir da condenação em segunda instância “repõe um senso de coerência normativo indispensável para evitar-se a perpetuação de um contexto de persecução penal impotente, vacilante, seletivo e injusto. Trata-se do meio disponível para a superação das traumáticas experiências de responsabilização penal sem desfecho, muitas das quais causadas pela fluência do prazo prescricional da pretensão executória durante a tramitação dos recursos de natureza extraordinária”.
Descompasso imperdoável
A AGU também aponta que, além das detenções cautelares como a preventiva e a provisória, a própria Constituição admite prisões de acusados de crimes antes da conclusão do processo penal ao listar, por exemplo, os crimes inafiançáveis. Para a AGU, isso revela que “a deferência do sistema de justiça criminal com os paradigmas de tratamento processual justo, aglutinados em tomo da presunção de inocência, não pode criar um descompasso imperdoável entre a prática das condutas delitivas e a resposta penal. Isso esvaziaria brutalmente a autoridade do Estado para cumprir aquela que é, por excelência, a sua missão: a garantia das condições mínimas de pacificação social”.
Por fim, a Advocacia-Geral da União defende que a ação da Confetam sequer seja conhecida pelo Supremo, uma vez que não há pertinência temática entre o objeto da ação e as atividades institucionais da entidade – conforme exigido pela jurisprudência do próprio STF – e não é cabível ação direta de inconstitucionalidade para questionar súmula de tribunal, cujo objetivo é apenas sintetizar a reiterada jurisprudência da corte acerca do cumprimento provisório de pena privativa de liberdade.
A ação, que está sob relatoria do ministro Luís Roberto Barroso, ainda não tem data para ser julgada.